Por outras
palavras: estamos é a tomar partido de colocar em risco a nossa própria saúde
física e bem-estar emocional!
Neste sentido, tomei a iniciativa
de desafiar o meu Professor de Yoga, David Lacerda Matos, conhecendo-o já há alguns anos, a fim de
responder a algumas questões a propósito da prática do Yoga e da sua verdadeira
relação com a vida do quotidiano e a nossa mente, corpo e espírito, bem como a
nossa própria alimentação, de forma a tirar melhor partido de uma vida mais
saudável e rica, em plenitude connosco e os outros.
Desde já, seja muito bem-vindo ao meu blog Cozinha Com Rosto, e muito obrigada por ter aceite este meu convite
para esclarecer algumas questões, nomeadamente aos nossos leitores, acerca do
tema “Yoga e Alimentação”:
Prof. David: Obrigado
eu pelo convite. Eu estudei no curso de História / Variante de Arqueologia
durante vários anos e acabei por desistir no 4º ano do curso, porque depois de
ter estado a trabalhar durante vários anos na área, confrontei-me com a falta
de investimento neste tipo de cultura e conhecimento, e achei que não era para
mim ficar apenas a escavar no meu buraquinho sem poder crescer e mostrar tudo à
sociedade. Então, a partir de 2005, interrompi, o curso universitário, para me
dedicar quase em exclusivo, à formação e à prática nas áreas do Yoga e da
medicina Ayurvédica, bem como da Terapia de Som (taças tibetanas). Estava
interessado em procurar uma via mais espiritual, que albergasse a prática
profissional relacionada com a área, então iniciei os meus estudos de forma
autodidacta na área do Yoga, que hoje em dia tento integrar no meu trabalho em
conjunto com a Ayurveda.
2) Pelo que conhece da realidade do Yoga em
Portugal, como descreve o cenário da sua prática atual e a justificação pela
qual as pessoas sentem necessidade de a tomar como uma verdadeira aleada ao
stress do dia-a-dia?
Prof. David: Existe,
hoje em dia, uma proliferação muito grande de inúmeras escolas e tradições
relativas ao yoga - no meu entender todas válidas – e que permitem que esta autêntica
ciência milenar esteja a chegar a cada vez mais pessoas. Apesar de já termos
passado o boom da sua procura, as pessoas que continuam a chegar até mim buscam
o “eterno equilíbrio”, encontrar espaço interno para si próprias, relaxamento,
descontracção, flexibilidade, rejuvenescimento, harmonia entre o corpo e a
mente e temas do foro do desequilíbrio como a depressão, ansiedade, insónias ou
problemas digestivos.
3) Então, como é que é a sua relação intrínseca
com o Yoga, no sentido de como é que as pessoas, em geral, devem entendê-la?
Prof. David: Para
simplificar, hoje em dia, como eu costumo dizer, tudo é Yoga – o que interessa
é inspirar e expirar – e voltarmos a controlar este processo; tudo muda depois
de fazermos uma inspiração profunda. Portanto, o Yoga ultrapassa a hora da
sessão, está presente, ou deverá estar o mais presente possível, em todos os
momentos do dia. Quanto maior consciência da respiração (do seu estado e de
como corrigi-lo) mais voltamos ao nosso centro e à nossa essência. O Yoga é uma
ciência! Os benefícios da sua prática diária são brutais e podem conduzir a
grandes alterações – sobretudo internas e de estados de espírito ou emocionais.
A minha relação com o Yoga, nesta fase da minha vida é diária, e só tenho a
agradecer poder fazê-lo ensinando-o ou passando-o a outras pessoas.
4) Por outro lado, uma melhor compreensão do Yoga faz com que uma pessoa, na verdade, se afaste de uma má conduta ou de maus
hábitos, como o álcool, tabaco ou alimentação desequilibrada?
Prof. David: Da
minha experiência pessoal, o que posso salientar é que ajuda a termos uma maior
consciência de determinados comportamentos que temos, que estão muito
enraizados e que acabam por se manifestar como padrões. Quando começamos a
aprofundar o estudo do Yoga, os seus conceitos, percebemos que deve ser entendido
enquanto ciência, por se basear em leis fisiológicas e psicológicas, mas também
observado enquanto modo de vida, com aplicação directa no quotidiano, e desta
forma, serve para manter a mente pura e clara, utilizando a concentração na
respiração (pranayama), recarregando, desta forma, de energia renovada o
corpo e a mente. Trata-se de uma modificação e purificação consciente durante
um longo processo que se baseia na concentração do nosso inteiro ser, na
“existência individual”. Faz despertar a consciência, procurando controlar as
emoções, desejos e sensações que resultam das diferentes qualidades da nossa
consciência. Ajuda a desenvolver a intuição, o entendimento do corpo, das suas
funções, tornando-o saudável. Trabalha no sentido da quebra no apego, seguindo
ensinamentos milenares, que no fundo nos fazem regressar à vida original, aos
propósitos universais sem rejeitar ou criar falsos mundos encarando a nossa
situação real.
5) Mas sendo grande parte desses mesmos hábitos
relacionados com a cultura de cada um, como é que depois afinal se consegue
adquirir, digamos que, essa "nova" realidade, de uma forma natural à medida que
se vai praticando o Yoga?
Prof. David: Acho
que essa resposta só se pode dar praticando. Passando muitas vezes pelos mesmos
processos até nos deixarmos de questionar. As sensações e necessidades vão-se
alterando e muitas vezes, e ouço bastantes relatos sobre isso, muitos
comportamentos deixam de fazer sentido. Portanto, eu acho que é a rotina que
nos traz a transformação. A dedicação (tempo e força de vontade) e o estudo
(filosofia) são pilares importantes na prática do Yoga.
6) Portanto, posso admitir que o Professor David Lacerda Matos é um verdadeiro
exemplo a seguir entre os demais, na medida em que um Professor de Yoga não
deve ser somente igual a um praticante de Yoga, estarei certa?
Prof. David: É um
peso grande essa questão de ser um modelo, e na verdade, acho que sou
exactamente um praticante, e é o facto de levar as minhas práticas até aos outros
que me torna professor! Com muitas imperfeições mas tentando transmitir e
demonstrar os pilares que o Yoga me tem ensinado.
7) E como é que costuma planificar as suas
aulas? Seria possível indicar-nos alguns exercícios e quais os seus principais
benefícios?
Prof. David: As minhas sessões são elaboradas
tematicamente – por norma baseio-me na leitura das próprias pessoas com quem
vou desenvolvendo o meu trabalho – tendo quase sempre em vista a gestão dos
elementos segundo a tradição da Ayurveda; tenho sempre bastante gosto por
trabalhar os processos digestivos (que incluem digerir pensamentos, emoções,
sentimentos profundos e comida) e limpezas internas (através de torções do
corpo) e também formas de enraizamento, tentando fazer com que voltemos ao
centro e a nós próprios. Posturas (ásanas) como ardha matsyêndrásana, paschimôttánásana, páda
utkásana ou rája sarvángásana são bons exemplos destes
trabalhos que proponho nas aulas. Dedico bastante atenção e tento desenvolver a
parte da simbologia das posturas ao longo das sessões, não ficando só na
dimensão física e tentando contribuir para o entendimento de cada pessoa que
tenho pela frente do porquê de executarmos determinadas posições ou efectuarmos
certas respirações específicas.
8) Para terminar, qual é então o seu tipo de
alimentação habitual? Por acaso, tem algum prato favorito, ou alguma receita
que gostasse de partilhar connosco?
Prof. David: Neste
momento da minha vida sou Vegetariano estrito no que diz respeito à
alimentação, não consumindo nenhum alimento de origem animal e tentando
preservar um dos pilares do Yoga – o conceito de Ahimsâ (não-violência) – este é um dos princípios básicos,
segundo o qual nos relacionamos com o mundo. Devemos procurar ser coerentes nos
nossos actos, utilizando formas de não-violência, quer sejam acções,
pensamentos ou até mesmo palavras, pois a prática de qualquer uma destas formas
de violência reflecte-se em nós mesmos; diariamente acusamos o reflexo disso
mesmo, e pode dizer-se que é, principalmente, no nosso pensamento e na
consciência, gerando ignorância, ódios e frustrações,
que ficam as marcas de todos os nossos actos e atitudes. Desta forma, muito
rapidamente se perde a noção do nosso envolvimento e significado global, como o
de pertencermos a um TODO, em que o mais pequeno pormenor faz parte do
“Universo”. A prática da violência leva a nossa mente a focalizar-se em coisas
negativas, destabilizando-se, levando a desfasamentos a nível imunológico que
originam doenças. Na parte ética do consumo dos alimentos e vestuário estou a
enveredar pelo Veganismo.
A minha receita de eleição acho que é o caril
de grão com espinafres – refogar em azeite (ou óleo de coco) 1 cebola e cerca
de 10grs de gengibre, e ir juntando uma colher de pimentão-doce, uma de caril, uma
de açafrão e duas de cominhos para soltar o sabor das especiarias. Depois
juntar 4 tomates triturados e 1 pimento vermelho e sal. Deixar cozinhar uns
minutos antes de adicionar os espinafres (previamente cozidos – convém ser em
bastante quantidade que eles ficam bastante pequenos durante o processo!) e o
grão cozido, deixando cozinhar novamente até o grão soltar um pouco a casca.
Quando servimos polvilhamos com garam masala e coentros picados e acompanhamos
com um belo arroz basmati! Ommm...
Em conclusão, o Yoga não é o
mesmo que exercício físico, vertendo muito mais a nosso favor: um ânimo maior e
melhor em todos os sentidos, sendo até capaz de fortalecer os nossos próprios órgãos
vitais, cuja prática correta e constante aliada a bons hábitos alimentares, ainda
nos leva a muitos outros benefícios no combate a diversas doenças.
E, definitivamente, o Yoga também está naquilo que comemos:
uma alimentação equilibrada contribui, por sua vez, para o aumento e reforço de
todos os principais benefícios do Yoga; as refeições necessitam ser feitas com
a devida consciência e paz interior, devendo saborear-se cada garfada ao ritmo
de uma verdadeira respiração tranquilizante.
Tal como eu, proponham-se, assim,
a atingir um tempo novo, procurando adotar ao máximo um conjunto de boas
práticas e de experiências de vida mais salutares, onde cada vez mais urge
elevar a vossa qualidade de vida e do mundo que vos rodeia!
Recomendo, por isso, uma
alimentação da mais variada e simples possível, abrangendo sobretudo produtos
frescos e sem toxicidade, sem esquecer um sem número de frutas e legumes, para
além de que deve ser devidamente acompanhada por uma hidratação abundante.
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